O Observatório da Pacificação Social desenvolve o estudo relacionado ao olhar obre a conflituosidade nas comunidades tradicionais, buscando analisar os impasses e suas soluções nas comunidades quilombolas, de pescadores e marisqueiras , dentre outras.
O trabalho objetiva compreender a relação de conflituosidade interna e externa nas comunidades tradicionais do Estado da Bahia, partindo da premissa que As comunidades tradicionais são capazes de gerar e transmitir conhecimentos além de criar, inovar e experimentar a obtenção de bens e serviços da natureza, contribuindo para o uso e manejo sustentado dos recursos naturais. No entanto, no processo de industrialização e modernização promovido pelo capitalismo as comunidades tradicionais passam por uma série de desdobramentos conflitivos que acabam por comprometer sua existência e reprodução sociocultural.
Neste sentido, há o levantamento e análise dos conflitos nos âmbitos social, econômico, político, ambiental, religioso e cultural, suas principais características e consequências, assim como as transformações pelas quais passam estas comunidades tradicionais; Investigação da experiência da conflituosidade em comunidades tradicionais, sob o prisma da cultura da Pacificação; Apresentação do diagnóstico das práticas tradicionais (costumeiras) adotas pelas comunidades de pescadores e marisqueiras na resolução de conflitos.
Em abril de 2013, houve pesquisa em campo, cujo foco foi observar a realidade das comunidades quilombolas de Barra do Brumado, Rio de Contas-BA e Enseada do Paraguaçu em Salinas da Margarida – BA, analisando a questão do conflito em tais comunidades, no sentido de se ele existe ou não e como se constitui no cotidiano dos seus membros. A reflexão acerca das comunidades e seus conflitos traz em seu cerne, nas saídas de campo em questão, o diálogo entre saberes.
Nesse sentido, para além dos estudos e discussões de texto em sala de aula, o projeto traz como sua essência a pesquisa em campo, de modo que seus membros vivenciam as realidades ora analisadas para que com isso a experiência da troca de saberes se efetive tanto para o grupo de pesquisadores quanto para os membros das comunidades, foco da atual pesquisa que vem sendo desenvolvida.
A comunidade quilombola de Barra do Brumado em Rio de Contas, na Chapada Diamantina, foi observada a partir de diálogos e entrevistas com os membros da comunidade, bem como com os policiais que atuam na cidade de Rio de Contas. No total, trata-se de quatro comunidades quilombolas, em uma delas, a de Barra do Brumado, houve o diálogo entre saberes do grupo de pesquisadores com os membros da comunidade.
A realidade vivida na comunidade quilombola traz em sua essência a atmosfera favorável para o diálogo, de modo que o grupo de pesquisadores logo foi acolhido por seus membros. O contexto abarca acolhimento, solidariedade, mutualidade, sendo a comunidade um grupo homogêneo com afinidades cognitivas, a qual tem em si visões semelhantes formadas de modo natural, através da educação e cultura locais.
Nesse contexto, insere-se a comunidade quilombola de Enseada do Paraguaçu situada em Salinas da Margarida e no entorno de Maragogipe, com aproximadamente 1.000 habitantes, cuja subsistência principal advém da mariscagem e pesca dependendo assim diretamente do meio ambiente equilibrado e preservado. Na questão da demarcação de território, a comunidade somente é reconhecida pela Fundação Palmares, não sendo ainda titulada.
A construção do Estaleiro de Enseada do Paraguaçu, projeto financiado pela Odebrecht, OAS, UTC e a Kawasaki Heavy contando também com o apoio do Governo da Bahia, comprometem as populações que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência, caracterizando assim um conflito socioambiental.
Esse estaleiro é um projeto de grande repercussão na indústria naval brasileira, elevando assim o potencial do país no que tange as questões que viram em torno do território marítimo brasileiro, uma vez que com essa construção a Petrobrás se beneficiará com produção de material para desenvolver técnicas de perfuração em águas profundas, como a camada do pré-sal. Durante a conversa com os moradores foi possível ter noção de que esse objetivo social não vem sendo cumprido, pelo contrário, a obra do estaleiro trouxe enormes impactos para as comunidades do entorno, interferindo diretamente em seu território, nas suas práticas e nos meios de sua subsistência.
Com o surgimento das novas relações sociais causadas pela vinda dos novos trabalhadores, começaram a surgir novos conflitos e problemas que até então não existiam, dentre eles encontram-se aumento da violência, inclusive caso de prostituição e aliciação de menores, segundo relato dos moradores também há registro de menores que engravidaram dos “estaleiros”. No lado ambiental, os resíduos da construção do estaleiro causam a contaminação das águas dos rios, como consequência a comunidade perde o seu principal meio de subsistência ocasionando, assim, medo e incerteza como se observa no relato de uma das moradoras: “A maré anda suja e o marisco não tem mais o mesmo sabor. Está faltando peixe e marisco no mar, o que faz os moradores entrar em desespero com o medo de acabar”.
Além deste, há relatos de conflitos entre a comunidade e os seguranças do estaleiro devido à falta de permissão para ultrapassar determinadas áreas anteriormente frequentadas pelos moradores, atitude que gera um entrave entre as partes caracteriza pela falta de diálogo uma vez que uma das partes se utiliza do uso da força como forma de coibir a conduta do outro. Como agravante essas áreas eram utilizadas pela comunidade para saciar suas necessidades básicas de alimentação, higiene e práticas culturas, refletindo diretamente na fragmentação da identidade dos membros.
Na tentativa de solucionar os conflitos trazidos pelo estaleiro, a comunidade identificou os impactos dessa obra em seu cotidiano, cujo objetivo primordial visa demonstrar aos responsáveis pela obra que os danos gerados na comunidade são irreversíveis, principalmente, no que tange a sobrevivência, identidade e preservação cultural. Além de interferir e causar a poluição do meio ambiente local, salientando a existência de área de proteção ambiental nas proximidades.
Quando questionados sobre o papel da liderança local na interlocução entre os moradores e os responsáveis pelo estaleiro os moradores afirmaram que as lideranças foram “cooptadas” para favorecer aqueles que detêm o poder, segundo os mesmos “quem tem mais dinheiro e poder é quem manda”. Por fim, na visita à comunidade podemos constatar a existência de conflitos na localidade e de que sentido se tornaram frequentes após a vinda dos novos moradores para trabalhar no estaleiro, como também questões ambientais que interferem diretamente nos meios tradicionais de subsistência e também na preservação da sua cultura, identidade e territoriedade.
O presente trabalho trouxe, sob a ótica da cultura da pacificação, a experiência da conflituosidade em comunidades tradicionais, especificamente a de Barra do Brumado (Rio de Contas- BA) e a de Salinas. A pesquisa vem sendo desenvolvida com o intuito também de o grupo conhecer ainda mais comunidades e seus conflitos, no sentido de que ela não se esgota.
Através do diálogo com os membros da comunidade, observa-se a importância da troca de saberes, tendo em vista que o grupo de pesquisas tem um longo caminho de aprendizagem a ser percorrido diante da forma de interação nas relações interpessoais pautada na coletividade. Por isso, voltará à comunidade, em Rio de Contas, no mês de agosto. O diálogo entre saberes desenvolvido pela comunidade e pelo grupo de pesquisa mostra-se fundamental para que possa ser observado, na prática, outros meios de soluções extrajudiciais de conflitos, os quais são realizados muitas vezes, como no caso da comunidade de Barra do Brumado em Rio de Contas/Ba, por uma líder quem mesmo desconhecendo as regras da mediação, da conciliação, da arbitragem e na negociação, resolve o conflito a partir da prática, e experiência, portanto. Desse modo, permite que as partes cheguem a um acordo e sintam-se satisfeitas com resultado alcançado; sendo assim, pode e deve considerar as ações realizadas por essa líder como um meio extrajudicial de solução de conflito.
Entretanto, após a visitação da comunidade da Enseada do Paraguaçu e o posterior pedido dos seus moradores, solicitando que os alunos retornassem à comunidade para levar os resultados das pesquisas realizadas, e o fato desses mesmos moradores alegarem que iriam procurar o judiciário para receber a indenização dos problemas causados pelo Estaleiro; evidencia a caracterização de um conflito instalado em Salinas das Margaridas. Através da aplicação dos MESCs, concretizando a ideia inicial do ACCs, o conflito ali latente pode vir a ser solucionado, caso as partes mostrem-se interessadas na solução do conflito e caso alguns dos modelos de solução de conflitos, se encaixem na disputa. O ACC terá, por conseguinte, o papel de esclarecer àquela comunidade quais são direitos e deveres para que, dessa forma, elas sintam-se contempladas com o seu direito de “acesso à justiça”, característica de suma importância.
A convivência em grupo gera as relações inter-humanas, desenvolvidas de maneira pacífica, mas também permeadas pela conflituosidade. Já não mais soa estranho, portanto, o fato do conflito fazer parte de nós mesmos, no sentido de que este é consequência das diferenças entre os sujeitos, assim como da insatisfação de suas necessidades. O entendimento do conflito como algo positivo, a partir das visitas em campo, trouxe para a pesquisa a percepção de que o conflito, quando bem administrado pelas partes ou por um terceiro, é propulsor de crescimento e bem-estar interior.
Atualmente, o presente projeto encontra-se desenvolvento trabalho junto às comunidades tradicionais do Baixo- Sul, tendod em vista a conflituosidade existentes nestas comunidades e a forma de resolução de conflitos por elas utilizadas. Em assim sendo, realizou pesquisa etnográfica e entrevistas com marisqueiras e pescadores da sede da Colônia e estar por realizar as entrevistas com a comunidade das ilhas.
O referido projeto tem por objetivo final a implantação da primeira Casa de Mediação Comunitária de Povos e Comunidades Tradicionais, voltada para a resolução dos conflitos desta comunidade.